Cefaleia em salvas é a dor mais intensa conhecida na humanidade e é caracterizada por dor de cabeça unilateral – orbital, supraorbital e/ou temporal, associada a pelo menos um sinal autonômico manifestado no mesmo lado da dor ou inquietude. A intensidade da dor é uma característica tão angustiante que estudos mostram o aumento do risco da ideia, planejamento e tentativa de suicídio nesta população.
Frequência
A prevalência está em torno de 0,1 a 0,4% da população geral, sendo considerada uma cefaleia de frequência ocasional (entre frequente e rara). Ocorre 2 a 3 vezes mais comumente no sexo masculino, que no feminino, por isso é conhecido como a dor de cabeça do homem. A doença costuma se manifestar entre os 20 e 29 anos e possui um padrão cíclico para apresentar os sintomas, alguns estudos relatam as estações da primavera e do outono, outros no outono e inverno. Em relação aos fatores de risco, seguem os principais: tabagismo (passivo ou ativo), traumatismo craniano e história familiar de cefaleia em salvas.
Origens
Alguns estudos sugerem que a cefaleia em salvas seja uma doença genética devido ao risco aumentado de desenvolvê-la em famílias onde há parente de primeiro ou de segundo grau com a doença. Embora, até o momento, não foi descoberta alguma alteração genética que claramente predisponha uma pessoa a desenvolver a cefaleia em salvas. Há diversas áreas cerebrais envolvidas na origem das manifestações clínicas, porém sabe-se que o hipotálamo seja o seu centro gerador.
Fatores desencadeantes
Os principais fatores desencadeantes descritos pelos pacientes são: sono, consumo de álcool, calor, estresse, altitude e mudanças climáticas. O sono é referido como desencadeante das crises por 80% dos pacientes e a ingestão do álcool entre 50 a 80% deles.
Manifestações clínicas
A cefaleia em salvas possui algumas peculiaridades em suas manifestações, de tal maneira que para compreender a doença é necessário aprender alguns conceitos:
Crises de cefaleia: a dor de cabeça possui uma duração entre 15 a 180 minutos, tipicamente 60 minutos, numa frequência que varia entre uma crise a cada 2 dias a 8 vezes ao dia.
Período da salva: duração de tempo em que a cefaleia em salvas ocorre, em média 8 a 9 semanas.
Período de remissão da salva: tempo em que o paciente fica livre de sintomas.
Sazonalidade ou Ritmicidade circadiana: padrão cíclico de aparecimento dos sintomas (período da salva), geralmente ocorre na primavera e no outono, podendo surgir entre uma a duas vezes ao ano, porém este intervalo pode variar bastante, com intervalo até de vários anos.
Sabe-se hoje que as manifestações clínicas da cefaleia em salvas são tão complexas como aquelas da enxaqueca, podendo apresentar vários sintomas tanto antes, quanto durante e após a dor de cabeça.
Pré-ictais: estima-se que esses sintomas/sinais ocorram em cerca de 65% das crises e os principais são: inquietação, dificuldade de concentração, lacrimejamento, redução da energia e do apetite, sensibilidade à luz, barulho e cheiro. Geralmente eles aparecem com uma duração média de 20 minutos antes da dor de cabeça, porém há relatos de sintomas surgindo até 3 horas antes.
Aura: menos de 10% dos pacientes apresentam aura (ler Tipos de enxaqueca), sendo a aura visual a mais comum.
Dor de cabeça: a dor pode ser referida como aguda, em punhalada ou maçante, mais comumente na região da órbita ocular, região supraorbital ou temporal, mas ela também pode se situar no pescoço em um terço dos casos. O sintoma associado mais comum é o lacrimejamento (54,4%), seguido por vermelhidão ocular (48,2%), queda da pálpebra (44,8%), congestão nasal (40%) e coriza (36,5%). Além disso, mais de 90% dos pacientes apresentam uma sensação de inquietude muito grande durante a crise.
Pós-ictais: já esses sintomas/sinais podem ocorrer em quase 80% das crises e possuem uma duração média de 40 minutos. As principais queixas são: fadiga, tontura, mudança de humor e dificuldade de concentração.
Vale ressaltar que os próprios pacientes sabem quando inicia e quando termina o período da salva. Isso se deve à presença de uma sensação incômoda na região da cabeça onde ocorre a crise, mas que é bem distinta da dor propriamente dita. Popularmente esta sensação é referida como “nuvem”.
Tratamento
Tendo compreendido como a cefaleia em salvas se manifesta e que a sua imensa maioria (85-90%) se apresentam na forma episódica, pode-se pensar no seu tratamento. Primeiramente, deve-se orientar o paciente sobre seus sinais/sintomas e que ele não possui uma doença grave e letal. Divide-se o tratamento em preventivo, de transição e da crise.
Em resumo, é necessário seguir alguns princípios:
- O tratamento preventivo deve ser iniciado na primeira crise que dispara o período da salva e encerrado apenas quando se percebe que a sensação de “nuvem” já desapareceu;
- Como o início do tratamento preventivo não é imediato, pode ser feito o tratamento de transição, até que os demais medicamentos alcancem seu pleno efeito;
- Iniciou o período da salva, alugue um canhão de oxigênio;
- Não se utiliza o oxigênio em baixo fluxo (menos que 7 litros/minuto), com cateter nasal ou na posição deitada.
Como você não vai andar com um canhão de oxigênio em todos os locais, ande com uma caixa de sumatriptana injetável (para uso via subcutânea) no bolso.
Dr. Paulo Faro
Neurologista🧠
CRM PR: 32102 RQE: 22885